O fim do gênero nas passarelas?

Uma das maiores tendências dos desfiles de moda da primavera de 2022 (que terminaram tem algumas semanas – tô atrasada, eu sei, mas não podia deixar de comentar) não foi nenhuma silhueta ou cor em particular, mas sim o fato de que muitos designers colocaram mulheres e homens em suas passarelas vestindo o que seria denominado “roupas femininas” – não tanto como provocação, mas simplesmente como um fato.

Logo me ocorreu algo que conversamos muito no primeiro encontro do grupo de estudos, o que vimos nas passarelas é uma resposta às mudanças culturais e sociais, especialmente entre as gerações mais jovens.

Difícil saber, nesse momento, o quanto isso ressoa além da moda e da cultura pop (e do centro de São Paulo, alguém aqui já passou pelo Copanzinho num sábado?), mas não deixa sinalizar uma mudança sistêmica interessante e potencialmente significativa.

Não se tratava de fluidez de gênero ou neutralidade de gênero – ou seja, roupas não identificáveis pelas categorias tradicionais de gênero. O que rolou nessa temporada foi algo diferente: roupas classicamente “femininas” em cores brilhantes, tecidos suaves e muita decoração, só que usadas por homens.

Seria este o fim natural da progressão iniciada na década de 1920 por Gabrielle Chanel? Afinal, se agora aceitamos mulheres de calças sem piscar, não deveriam os homens de vestidos e saias ter a mesma recepção?

Homens de saia e vestidos ainda assustam a maioria da pessoas fora dessa minúscula bolha da moda e da cultura pop e eu diria que isso tem tudo a ver com o fato de que, enquanto sociedade, ainda estamos agarrados a velhas estruturas de poder. Se vestir com roupas tidas como femininas, é visto como algo enfraquecedor para os homens, já que as mulheres são supostamente o “sexo mais fraco”.

A moda (e não falo aqui só das passarelas), como em outros momentos históricos, parece estar um passo à frente nessa quebra de paradigma. Afinal, nos vestimos para dizer ao mundo quem somos, para indicar a participação em um grupo. E é por isso que essa ruptura dos papéis de gênero no vestuário é importante.

Geralmente, meu sentimento é que uma coleção pode comunicar um foco na política ou corpo (falamos bastante desse dualismo corpo e mente no Corpos Plurais, não é mesmo?), mas raramente em ambos. E agora, a mensagem sobre gênero – sobre os corpos nas roupas e quem pode vestir o quê (e a ideia de que todos deveriam vestir tudo) – parecia abrir precedência.

Quero dizer que veremos os caras do Congresso, da Bolsa de Valores ou até mesmo no Facebook usando vestidos em breve? Eu gostaria de pensar que sim, mas não tenho tanta certeza. Ainda assim, observar essas rupturas, ainda que em pequenos grupos, pode ser significativo de mudanças que já vêm acontecendo e continuarão se desenrolando.

E vocês aí achando que observar passarelas só serve pra saber qual a cor do ano, né!?

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