A importância dos tecidos para o desenvolvimento da sociedade | Parte 2
Como prometido, trago agora a segunda parte da tradução do texto A importância dos tecidos para o desenvolvimento da sociedade. Se você perdeu a primeira parte, clica aqui ó: parte 1.
Evidências têxteis na mitologia e nos contos de fadas
Como se a importância dos têxteis não tivesse ficado suficientemente evidente na narrativa da história da humanidade, sua importância também foi imortalizada em incontáveis mitos e histórias que foram recontados ao longo dos séculos e no uso cotidiano da linguagem.
Em muitas civilizações e em diferentes países antigos, a mitologia indicou a importância dos tecidos e da profissão de tecelagem. Talvez um dos exemplos mais conhecidos sejam as moiras que, na mitologia grega, eram as três irmãs lúgubres que determinavam o destino, tanto dos deuses, quanto dos seres humanos. As moiras eram três mulheres responsáveis por fabricar, tecer e cortar aquilo que seria o fio da vida de todos os indivíduos. (Elas foram representadas no desenho do Hércules da Disney, quem lembra?).
A mitologia em torno de várias deusas e santos padroeiros se entrelaça na ideia de tecer, incluindo Neith do Egito pré-dinástico, Atena da Grécia, Amaena do Japão e garota tecelã da China (St. Clair 2018, p. 12).
Não apenas muitos mitos e contos de fadas são centrados na vida dos trabalhadores têxteis, mas muitos outros usam o simbolismo para demonstrar a habilidade e o talento quase místico desses fazeres. Por exemplo, n’As Roupas Novas do Imperador, de Hans Christian Anderson, o imperador arrogante é constrangido por dois alfaiates que afirmam possuir um tecido invisível especial.
Muitos exemplos vem dos irmãos Grimm. N’As Três Fiandeiras, por exemplo, a personagem principal é resgatada por três fiandeiras que a ajudam a fiar uma sala cheia de linho para se casar com o rei. Outros contos relacionados aos fazeres têxteis dos irmãos Grimm incluem: Rumplestiltskin, The Brave Little Tailor, The Spindle, Shuttle and Needle, e a Bela Adormecida adaptada à Disney, entre muitos outros.
A família Grimm morava no vale do rio Schwalm, na Alemanha, uma área rica em conexões com tecidos e roupas em geral, especialmente com um boné vermelho tradicionalmente usado por jovens garotas locais, de onde veio a inspiração para o famoso conto da Chapeuzinho Vermelho. Não é de surpreender que a importância da indústria têxtil na área esteja relacionada ao folclore e aos contos de fadas. Os Irmãos Grimm coletaram suas histórias de várias fontes, incluindo relatos verbais de moradores locais.
O ato de tecer ou costurar presta-se bem a contar histórias, à medida que grupos de tecelões foram criados em estreita proximidade e repetindo continuamente tarefas (St. Clair 2018, p. 11). Enquanto trabalhavam, é muito provável que eles também inventassem histórias para tornar seu tempo mais agradável. Esta é também a provável razão pela qual tecelões nas narrativas são tecidos como heróis com talentos mágicos e habilidade de tecelagem extraordinárias.
A tradição duradoura dos têxteis na linguagem
A tradição de tecer e a linguagem também estão intimamente ligados. Como St. Clair indica, as primeiras formas de papel eram, de fato, restos de sobras de tecidos (2018, p.17). Além disso, as capas dos livros eram feitas de tecidos e os livreiros usavam agulha e linha para prendê-las.
palavra escrita e os têxteis estão intricadamente vinculados e até hoje continuam vivos. Palavras como texto (variante de tecido), trama, enredo, novela e novelo, além de expressões como: “quem conta um conto aumenta um ponto”, “achar uma agulha num palheiro”, entre outras, ainda são extremamente comuns na linguagem cotidiana*.
Seria difícil encontrar uma área do mundo intocada pela influência da indústria têxtil. Seja por tecnologia, linguagem ou vínculos sociais, é fácil ver os efeitos dos têxteis por todos os cantos. De uma viagem pela Rota da Seda na Ásia e qualquer mercado pelo caminho, até um passeio na ‘Estrada dos Contos de Fadas’ na Alemanha, onde os irmãos Grimm se inspiraram e deixaram sua marca, em todo lugar os fazeres têxteis estão intrinsecamente entrelaçados com o tempo e o espaço.
*Adaptei os termos originais do inglês, porque no português nós também carregamos a herança dos têxteis na nossa linguagem. Sobre isso, recomendo demais o texto O Tao da Teia, da Ana Maria Machado, um texto belíssimo que fala, justamente, dessa relação.
PS: Deixei a última parte do texto, em que os autores falam sobre como os fazeres têxteis são fazeres femininos, porque achei que ele menospreza a importância das mulheres para a construção e desenvolvimento da sociedade. Como comumente acontece numa sociedade machista, os fazeres femininos são considerados de menor importância e, nesse texto, isso fica bastante explícito. Já que essas relações tem sido parte importante das minhas pesquisas, optei por deixar esse trecho de fora da tradução e trazer essa relação entre mulheres e têxteis com outra abordagem. Não desenvolvi esse texto como gostaria ainda, mas já deixei um gostinho nesse post do Instagram:
O texto original pode ser acessado aqui: Textiles through history.
2 Comentários. Deixe novo
Amei ler esse texto, é muito importante mesmo esse resgate!
Obrigada, Mariana! =)