A importância dos tecidos para o desenvolvimento da sociedade | Parte 1
Estou imersa nos estudos sobre saberes e fazeres têxteis por conta da aula Tudo Sobre Tecidos que vai ao ar nesse sábado (e essa aula está incrível, se eu fosse você, clicava aqui pra dar uma olhada!) e, por conta disso, me deparei com um texto maravilhoso publicado pelo site Odyssey Traveller, baseado no livro The Golden Thread: How Fabric Changed History, da Kassia St. Clair (que eu, aliás, já tratei de providenciar!), falando sobre a importância dos fazeres têxteis para o desenvolvimento da sociedade como conhecemos hoje.
Achei o texto tão bom que achei que valia traduzi-lo para compartilhar por aqui! Como o texto é bem longo, resolvi dividir em duas etapas. Então hoje entra a primeira parte e na semana que vem, a segunda!
Acho que vale dizer que esse é um assunto que tenho uma relação de memória e afeto, já que toda minha relação com minha mãe é permeada pelos tecidos e pela costura e é também um assunto que tenho interesse de pesquisa. Antes da pandemia, estava fazendo um curso com a professora Carla Cristina Garcia que tratava justamente do tema da importância dos saberes têxteis, a partir de uma perspectiva feminista e, olha, essa foi uma das coisas mais legais que já estudei!
Tecendo tecidos ao longo da história e o avanço da sociedade
A indústria de têxtil tem um longo longo passado. Embora se calcule que desde a época da Idade da Pedra, há quase 100.000 anos, os tecidos já eram utilizados, apenas recentemente foram descobertas evidências para confirmar, com um alto grau de certeza, que as fibras vegetais já eram usadas para fabricar roupas há 34.500 anos atrás, como citado por Kassia St. Clair em The Golden Thread (2018, p. 21).
A evolução levou a uma redução de pêlos no corpo humano e, assim, surgiu a necessidade de métodos alternativos para nos proteger das intempéries. Os neandertais jogavam peles de animais sobre seus corpos para se manterem quentes, até que os primeiros humanos decidiram prendê-las de forma mais metódica para um melhor encaixe em seus corpos, o que os levou a explorar novas fontes de calor, incluindo fibras vegetais e, eventualmente, as fibras sintéticas modernas.
Mas, além dessa necessidade de proteção para a sobrevivência humana, a evolução da produção de tecidos desempenhou um papel importante no avanço da sociedade e da cultura humanas, influenciando uma série de inovações tecnológicas, o uso da linguagem e as normas sociais.
Quase toda a história humana pode ser tecida em conjunto com a produção têxtil. Os computadores modernos, o comércio, os bancos, as artes e os contos de fadas são apenas alguns exemplos da influência dessa área. Este artigo lançará as bases da importância dos têxteis, bem como de como o tecido criou a rica tapeçaria que é a história da humanidade através do mito, do comércio e da narrativa.
Tecnologia graças aos tecidos
Ser capaz de criar produtos têxteis foi uma das primeiras formas de inovação tecnológica. Quando foram criadas roupas mais protetoras e cestos coletores, os seres humanos foram capazes de captar novos recursos e migrar para diferentes cantos do globo. Com essa migração, foi possível ter contato com uma maior diversidade de fontes de fibra, como o linho no Egito, o algodão na Índia e a seda na China.
Tradicionalmente, poucas mãos habilidosas transformavam as matérias-primas em fios utilizáveis e as teciam em tecidos. Com o passar do tempo, os eixos e as roldanas melhoraram os processos, reunindo os materiais brutos e fiados e evitando os nós. Mas avanços consideráveis começaram a mudar as habilidades necessárias, bem como a demografia dos trabalhadores têxteis.
Uma das primeiras inovações para a indústria têxtil foi o tear criado no Egito, 2000 a.C. (S.t Clair, 2018, p. 6), que permitiu maior eficiência e uniformidade na tecelagem devido à colocação uniforme das urdiduras (fios de base longitudinais ) que eram mantidas imóveis enquanto a trama (linha de tecelagem em largura) passava entre elas.
Em 1801, Joseph Marie Jacquard avançou o tear usando cartões furados intercambiáveis que ditavam um padrão de tecido. Isso significava que a máquina poderia ditar padrões e desenhos por conta própria, sem a necessidade de um trabalhador qualificado e criando tecidos idênticos. Esses cartões perfurados se mostraram incrementais aos avanços da programação de computadores e armazenamento de dados.
Charles Babbage, a “grande figura ancestral da computação”, assim chamada por seu biógrafo Anthony Hyman (citado por Edwards Park, 1996), inspirou-se no sistema do tear de Jacquard para seu Analytical Engine. Na década de 1830, Babbage adaptou o sistema de cartões perfurados para informar a capacidade do computador de concluir equações aritméticas e armazenar os números.
Embora não fosse completa, a concepção de Babbage de sistemas de cartões perfurados para uso em cálculos mecânicos abriu caminho para Herman Hollerith, fundador da Tabulating Machine Company, que posteriormente se fundiria para se tornar a IBM.
Os avanços na tecnologia dispararam ao longo dos anos 1900, com base no trabalho de Jacquard, Babbage e Hollerith, resultando na moderna tecnologia “inteligente” da era moderna.
Devido à sua importância como uma indústria em constante e rica expansão, o setor nunca deixou de desenvolver novas maneiras de tornar a produção mais rápida e barata. A indústria têxtil e sua demanda por eficiência na tecelagem tiveram vários resultados positivos para a sociedade como um todo em termos de tecnologia.
O Comércio Têxtil
A própria indústria têxtil é mais antiga que a a maioria das outras indústrias, incluindo cerâmica, metalurgia e até agricultura. O comércio de tecidos foi impulsionado o pelos diversos recursos em todo o mundo, e as rotas comerciais costumavam passar pelos têxteis. A Rota da Seda, datadas do século I d.C., era uma importante conexões entre a Dinastia Han na China e os negócios na Europa e na África. Embora não carregassem apenas seda, os comerciantes exportavam o tecido, que era monopólio chinês para uma variedade de países, como um luxuoso material para os ricos.
Ao longo da história, as indústrias têxtil e da moda têm sido amplamente lucrativas. O Império Britânico, especializado em lã, e o Império Mughal, distribuíam tecidos decorados com cores vivas. Para onde quer que a indústria de tecidos fosse, seguia-se uma vasta riqueza, e com ela empregos secundários. Por exemplo, os primeiros casos de contabilidade e crédito foram estabelecidos durante o aumento do comércio de têxteis (St. Clair, 2018, p. 8).
Além disso, o setor bancário também foi resultado da proeminente riqueza do comércio de têxteis. Segundo St. Clair, a família Medici, que originalmente trabalhava na produção de lã, depositou sua riqueza,resultante da produção, no setor bancário e se tornou os maiores banqueiros do século XV. O banco da família Medici passou a financiar uma série de projetos artísticos de alto nível, como Davi de Micaelangelo, Basilica di San Lorenzo de Brunelleschi e a Mona Lisa de Da Vinci (2018, p. 8). Conseqüentemente, o período da Arte Renascentista italiana pode ser amplamente atribuído à indústria têxtil.
Os primórdios da indústria do comércio têxtil tinham dois segmentos, os materiais cotidianos mais simples, como algodão e lã, das pessoas comuns, e os materiais mais refinados, como linho e seda, dos aristocratas. Foi só no século 14, quando a indústria da moda avançou, que esses dois grupos se entrelaçaram. A inovação em corantes e alfaiataria permitiu novas possibilidades para que os cidadãos da classe média e baixa se vestissem com estilos diferentes de estampas e tecidos.
Antes do século 19, quando os corantes químicos ocidentais foram criados, a Índia defendia a criação e o uso de corante azul nos têxteis há milhares de anos. De fato, a exposição The Fabric of India, do Museu Victoria e Albert, sugere que a palavra índigo, de origem grega, se relaciona diretamente com o nome Índia em si. O comércio sempre foi uma parte essencial para o intercâmbio de ideias e inovação humanas e a produção têxtil é parte importante disso tudo.
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