O que a Abercrombie pode nos ensinar sobre a moda?

Eu sempre falo de moda como uma materialização daquilo que acontece na sociedade e esses dias assisti o documentário Abercrombie & Fitch: Ascensão e Queda que traz um ótimo exemplo disso. Quem aí assistiu o documentário na Netflix?

Para quem não assistiu (ou era jovem demais para lembrar), a Abercrombie viveu seu auge entre a década de 90 e os anos 2000 (recomendo assistir o documentário para entender toda a história, não vou contar aqui para não me alongar demais e porque esse não é o objetivo desse texto), nas mãos de Mike Jeffries, então CEO da marca.

Nessa época, a marca se tornou símbolo do garoto popular (do cool guy, como eles se referem no documentário). Sabe aquele cara que a gente tá super acostumada a ver em filmes, especialmente dessa época, que é o capitão do time de futebol americano, namorado da cheerleader, o popular, aquele cara que todos os caras querem ser e todas as meninas querem namorar? Então, era isso que a Abercrombie representava.

Mas se a gente parar para analisar com um olhar mais crítico, esse cara é um ícone do elitismo e da exclusão. Só existe a turma dos populares, porque todo o resto não é – mas almeja (ou deveria almejar) ser. Uma ideia não só aceita, mas super enaltecida nessa época. Quantos filmes e séries sobre a turma dos populares os anos 90 não produziu?

Que atire a primeira pedra o adolescente que nunca quis fazer parte da turma dos populares! Especialmente nessa época em que a cultura pop não valorizava diversidade nenhuma. Populares eram os garotos brancos, bonitos, atléticos, extrovertidos. As meninas loiras, magras, bonitas. E só! Se você não era nada disso, sinto muito!

Essa foi a grande sacada da Abercrombie, vender status em forma de camiseta. Porque, vale dizer, as roupas da Abercrombie nunca foram grandes coisas, mas não era roupa que a Abercrombie vendia, era uma ideia, a promessa de que você estava a uma camiseta de se tornar um dos cool kids.

O documentário foca em mostrar todas as podridões da Abercrombie, mas acho importante pensar que a marca era atrativa, sim. Caso contrário, não teria se tornado um fenômeno. E era atrativa porque ela fez nada mais do que materializar os valores e ideais de uma época em determinada sociedade. Se ninguém tivesse nem aí pra ser popular, se a cultura pop não valorizasse tanto essas figuras, o apelo não teria colado. Colou porque ela transformou um valor subjetivo, abstrato em produto, algo material e com um valor descrito na etiqueta.

Bem, a derrocada da Abercrombie foi justamente essa: não acompanhar as mudanças da sociedade. Sociedade essa que (re)começou a falar de racismo, de machismo, de exclusão, de diversidade racial e de corpos. Ser um dos cool guys não era mais um ideal tão unânime. As pessoas passaram a querer ser representadas em suas singularidades.

Tem uma cena ótima do documentário em que um dos funcionários da época conta que ele percebeu que a Abercrombie tinha deixado de ser uma marca-desejo, para se tornar uma marca babaca (ele usou outras palavras, mas essa é ideia), quando no filme do Homem-Aranha de 2002, o Flash Thompson (Joe Manganiello), personagem que faz bullying com o Peter Parker usa só e o somente Abercrombie.

Olha aí a mudança, Peter Parker (Tobey Maguire) é o herói do filme, é para quem você torce, é quem você quer ser e ele é um nerd, magrelo, de óculos – ok, um nerd com poderes, mas ainda assim, um nerd. Flash Thompson é o cara que a gente detesta.

Quando eu falo que moda, é uma materialização do que acontece no social, é disso que eu estou falando!

PS 1: Minha ideia com esse texto não é comentar os escândalos da Abercrombie, o documentário faz isso muito bem, melhor do que eu faria. Assistam!

PS 2: Apesar de ter achado o documentário ótimo, e entender a escolha narrativa, pode ficar parecendo para quem assiste, que a Abercrombie era a grande vilã numa sociedade de mocinhos, que a Abercrombie criou a exclusão, criou a o ideal do cara popular. Longe de mim defender a Abercrombie, porque, olha, que marca babaca.  Mas é preciso enfatizar que não é bem assim. A Abercrombie só deu certo porque tinha muita gente que se identificava com a ideia que a Abercrombie vendia. Ela não criou esse ideal, ela só materializou, costurou e colocou uma etiqueta de preço.

2 Comentários. Deixe novo

  • Faby Alves
    04/08/2022 21:51

    Nossa adorei o texto Carol! Como você disse, a moda materializa aqui que a sociedade está pensando e vivendo, e não ditando o que deve ser feito. Muita gente tem a visão contrária… e eu lembro bem dessa época da Abercrombie e Hollister, e dos filmes com o povo “pop”.

    Responder
    • Carol Garcia
      05/08/2022 14:15

      Pois é, né, Faby! Se fez tanto sucesso é porque o consumidor se identificou e se identificou porque eram valores e ideias que tavam aí pelo mundo. Acho que é até mais cômodo pensar que a marca é a grande vilã porque tira um pouco da nossa responsabilidade como sociedade. E não que a marca não seja péssima, mas o buraco é mais embaixo.

      Responder

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Preencha esse campo
Preencha esse campo
Digite um endereço de e-mail válido.
Você precisa concordar com os termos para prosseguir

19 − um =

Menu