Met Gala e a moda como expressão criativa
Aproveitando o ensejo do post da semana passada (se você ainda não leu, clica aqui!), precisamos falar sobre o Met Gala 2019.
Se você não entende bem qual é a dessa festa que vai todo mundo (ou quase) com umas roupas bem esquisitas, vem cá que eu te explico: o Met Gala marca a abertura da exposição anual do Costume Institute (ou Instituto de Vestuário) do Metropolitan Museum of Art de Nova York. (Sim, minha gente, um dos mais importantes museus de arte do mundo tem uma área dedicada à moda!)
E aí, que as roupas esquisitas são releituras da temática da exposição em questão. O Met Gala não é só um baile de gala, mas um baile de gala temático. Em outras palavras, é uma festa à fantasia muito, muito chique, com mentes criativas renomadíssimas por traz das fantasias todas!
Pra quem enxerga a moda por outros prismas, para além do mercado, como eu, é um prato cheio pra gente se deleitar, pensar, analisar e ver a moda como a potência de expressão criativa que ela pode ser!
E daí que o baile desse ano despertou a semioticista que há em mim e eu queria compartilhar um pouco dessa visão com vocês, mas antes de comentar um dos looks propriamente ditos, preciso contextualizar e explicar qual era a temática desse ano porque isso faz toda a diferença na hora de entender as escolhas sartorialistas da galera.
Camp: notes on Fashion
Esse era o tema do baile e da exposição que foi inaugurada junto com ele, numa referência ao ensaio Notes on Camp da filósofa, escritora e ativista Susan Sontag. A ideia por trás da exposição é “explorar as origens da estética camp, e como ela evoluiu de um lugar de marginalidade para se tornar uma influência importante na cultura dominante”.
“A marca registrada do Camp é o espírito da extravagância. O Camp é uma mulher andando por aí em um vestido feito de três milhões de penas” – Susan Sontag
A estética camp tem extravagância, tem exagero, tem teatralidade, mas tudo isso carregado de ironia e crítica social. Nas palavras do curador do Costume Institute Andrew Bolton, falar sobre a estética camp é oportuno para o momento cultural e político:
“Pareceu muito relevante para a discussão cultural [atual] olhar para aquilo que é com frequência descartado como frivolidade vazia, mas que pode, na verdade, ser uma ferramenta política sofisticada e poderosa, sobretudo para culturas marginalizadas.”
A estética camp tem tudo a ver com o que falei no post da semana passada: do provocar para propor, do estranhamento como forma de criatividade, de tirar as pessoas do conforto do lugar-comum e do mainstream (que muitas vezes são a mesma coisa, né!?) para forçar o olhar para outras formas e belezas possíveis.
Percebem como a moda tem (ou pode ter) tudo a ver com isso?
Agora vamos ao vestido da Diane von Furstenberg:

A estilista belga foi vestida de nada mais, nada menos do que Estátua da Liberdade! Mas como isso não bastasse, não era uma Estátua da Liberdade qualquer, mas uma que tinha sua cara estampada nas próprias vestes.
Símbolo de uma nação marcada por extravagâncias e exageros dos mais diversos tipos, a Estátua é, ela própria de uma extravagância tremenda – seja pelo tamanho, pela História ou pelas inúmeras reproduçõess de sua imagem – percebe a metalinguagem do traje aí?
E também faz referência ao sonho americano regado à meritocracia. Dessa ideia de que somos os maiores, de que podemos tudo, de que não há nada que não dependa de nós mesmos. Na sociedade moderna (não só americana, vale dizer, mas a referência aqui é essa), não adoramos nada que não seja humano. Os nossos heróis são humanos. Não adoramos nada além de nós mesmos. Geração selfie não existe à toa, afinal de contas.
A estilista fala sobre tudo isso a partir dos seus trajes, numa referência clara ao camp, sua estética extravagante carregada de crítica social. Afinal, moda também é linguagem, é comunicação, é narrativa! E não só essa moda feita por grandes estilistas, mas essa do dia a dia também.
Cada peça de roupa que a gente escolhe colocar no corpo, pra ir numa festona ou na padaria, aquela que vai ficar eternizada nos álbuns de foto, mas também aquela que a gente coloca achando que ninguém vai ver conta uma história. O tempo todo contamos uma história.
Agora me diz: como você tem se apropriado dessa sua narrativa diária?